Bando Macabro

    Não vai ser fácil escrever este relato. Tampouco será fácil pôr no papel a exatidão da trama vivida por mim. Mas até onde sei um detetive particular jamais deve aceitar casos fáceis. Abri uma exceção, porém, numa manhã de segunda-feira, quando tudo começou.

    A última coisa que eu queria naquela manhã chuvosa era um caso para resolver, porém, a dama que bateu à porta do meu escritório foi persuasiva. Eu estava de papo pro ar, com meio cigarro na boca e uma garrafa de uísque que eu abrira na manhã anterior, e que agora estava bebendo em um pequeno copo, com pequenos goles. Srta. Monique François estava usando um chapéu grande, com plumas, uma bolsa também grande, mas com alças curtas, maquiagem nos olhos e um batom vermelho-escuro. Ela foi incisiva, como todas as outras.

    - Clint Harper? - disse ela, com aquele aterrorizante sotaque francês.

    - Monique, eu suponho - disse eu, percebendo o peculiar colar que pendia de seu pescoço. Fora comprado da famosa loja de penhores "François".

    - Como sabe meu nome?

    - Deduzi pela letra "M" que está em seu colar e pelo seu sotaque francês.

    - Muito observador.

    - Qual é o caso, Monique?

    Naquele momento, tive a certeza de que iria me arrepender por ter feito essa pergunta, mas não pude resistir aos pedinches da Srta. François. Não que eu seria incapaz, mas alguma coisa no olhar aproximativo de Monique me aconselhava a não tentar.

    Ignorando completamente os triviais meneios que atrapalhavam meu raciocínio, anotei em minha caderneta o que ouvi de Monique e pus-me a caminhar pelas ruas de Londres, agora não tão chuvosas. Comecei a recapitular os fatos, enquanto andava no meio da Avenida Luxemburgo, evitando pisar nas vasas causadas pela chuva.

    Acontecia que certo grupo de criminosos conhecido como Bando Macabro estava fazendo repentinas aparições pela cidade, matando e roubando. Não raro eram vistos assaltando a casa de penhores François, cujo dono era Emile François, pai de Monique, que por sinal era filha única. Sabia-se que esse bando era composto por quatro integrantes: três homens e uma mulher. Obviamente ninguém sabia as verdadeiras identidades dos ladrões; o que se sabia era que todos do Bando estavam sempre armados até os dentes. Também se sabia que eles só atacavam em Londres.

    Minha próxima parada não deveria ser a casa de penhores, pois este era o primeiro lugar onde todos esperavam me encontrar. E até ser provado o contrário, todos eram suspeitos. No início, pensei em pedir ajuda para o meu amigo Johms Ben-Hur, - um detetive particular canadense que no momento ocupava um certo hotel na cidade - mas meu olho ainda estava roxo desde nossa última conversa, de modo que resolvi visitar outro camarada - Charles Pinkerton -, um respeitado inspetor-chefe.

    O Sr. Pinkerton não ligava muito para casos como esse que estava em minhas mãos. Não, o boçal só correspondia a emergências. Era um milagre ainda estar empregado. Telefonei para ele.

    A casa de Pinkerton ficava na Rua Pitt. O sobrado ocupava quase todo o terreno, que não chegava a ser grande. A casa era feita de madeira não pintada e era cercada por arbustos regularmente aparados. Segui o inspetor até o segundo andar, onde havia uma pequena sala-de-estar. Na parede do fundo, de onde estava próxima uma mesa de escritório, pude ver vários artigos policiais, alguns pregados na parede e outros empilhados em uma prateleira. Entre esses artigos, havia roupas antigas de polícia, recortes de jornais, vários distintivos, diplomas e um colar com a letra "M", igual ao de Monique. O inspetor também tinha vários criados, entre eles Rebecca, a cozinheira, e Fred, o faxineiro. Também havia um copeiro canhoto, cujo nome esqueci-me de perguntar ao inspetor.

    Pinkerton me pediu para sentar à mesa e serviu um martini para nós dois. Então, enquanto ambos íamos apanhando um cigarro e um fósforo, tomei a iniciativa de interrogá-lo, mesmo na frente dos empregados.

    - E então, inspetor? O que você acha desses novos sujeitos que andam aparecendo pela cidade?

    - Suponho que se refira ao Bando Macabro, Sr. Harper - disse o inspetor, enquanto afrouxava o nó da gravata.

    - Naturalmente, inspetor.

    - Não passam de anarquistas. "Republicanos vadios" é o nome correto. A inspeção está cansada de correr atrás de qualquer malfeitor perturbado que entra num bazar com um revólver na mão. Ordinários assim não merecem um pingo de atenção, Sr. Harper.

    - Posso dar uma olhada nos arquivos?

    - Como quiser, aqui estão. Mas vai perder seu tempo. Só constam informações triviais aí. Afinal, Sr. Harper, o que o senhor pretende fazer para conseguir informação? Uma notória?

    - Não, Sr. inspetor. Uma coisa mais discreta, talvez.

    Fui para minha casa e fiquei pensando no caso até tarde da noite. Depois disso, fui dormir, pois as minhas pálpebras estavam pesadíssimas.

    Na manhã seguinte, acordei com o barulho da chuva batendo na vidraça da janela ao lado da minha cama, no quarto andar. Preparei o tradicional café-da-manhã britânico e comecei a comer. Depois de fazer tudo o que precisava fazer, vesti o meu sobretudo e meu chapéu e decidi de última hora fazer uma visitinha a um certo detetive canadense. Tomei um táxi. No caminho, fiquei analisando os arquivos que o inspetor Pinkerton me dera. Eu precisava desvendar as identidades dos malfeitores que compunham o Bando Macabro e o esconderijo do Bando.

    De repente percebi que o veículo no qual eu me encontrava estava tomando uma direção alternativa, a direção oposta à do hotel. Antes que eu pudesse chamar a atenção do taxista, um orifício no teto do carro começou a expelir uma quantidade significativa de clorofórmio na direção do meu rosto. Consegui ver o sorriso estampado na face do taxista pelo espelho retrovisor, antes de as luzes se apagarem.

    Ao acordar, vi que estava bem amarrado em uma cadeira de madeira. Minhas mãos estavam imobilizadas atrás das costas com cadeias de alumínio; e meus pés amarrados junto aos pés da cadeira, com uma espessa corda. Eu estava cercado pelo Bando Macabro! Eu nunca os havia visto antes. Cada um deles usava uma túnica escura com capuz para esconder suas faces, como os caras do Ku Klux Klan. Todos os quatro estavam lá, um deles apontava a arma para mim com a mão esquerda. Estávamos no que parecia ser um armazém abandonado e escuro. Uma luz forte se posicionava logo acima da minha cabeça. Não havia ninguém mais lá, apenas nós cinco. Apesar das explosões dentro da minha cabeça ficarem cada vez mais intensas, pude ver que estávamos no último andar, pois havia ao meu lado uma escada espiral de madeira que unia aquele piso ao debaixo. O barulho que as goteiras faziam era insuportável.

    - Confortável? - perguntou o que parecia ser o líder, enquanto folheava os arquivos que o inspetor Pinkerton me dera. Os capuzes do Bando abafavam suas vozes, tornando-as irreconhecíveis.

    - Mostre-se, canalha covarde! - exclamei.

    - Minhas premências agora vão além de aturar seus insultos, Sr. Harper. Em breve, nós mataremos o milionário Emile François e ficaremos com todas as verdinhas dele - disse o chefe, movimentando-se para lá e para cá. - Eu lhe garanto!

    Imediatamente, a mulher do Bando tirou uma pistola da túnica e matou os três colegas, um a um, incluindo o chefe! Meu coração deu um salto! Quando ela se preparou para atirar em mim, pulei escada abaixo, rápido como um raio. Visto que eu estava amarrado numa cadeira, esta se partiu com a queda, assim como os grilhões de alumínio que cercavam meus pulsos. Com as mãos livres, soltei meus tornozelos.

    Uma vez livre, corri para a porta, a fim de escapar dos tiros da furiosa dama. Tomei um revólver que achei debaixo da escada e atirei em seu braço, o que a fez largar sua arma. Ela estava agora indefesa.

    Usei o telefone que havia lá para chamar a polícia, depois de descobrir em que parte da cidade eu estava. Também chamei o Sr. François. Todos chegaram ao mesmo tempo.

    Antes de deixar os policiais removerem as máscaras dos bandidos, declarei a identidade de cada um.

    - São eles: Monique François, Charles Pinkerton, o copeiro de Pinkerton e, naturalmente, o taxista que me sequestrou.

    Foram removidas as máscaras. Meus palpites estavam corretos.

    - Por Deus! - exclamou o Sr. François, ao ver a filha desmascarada.

    - Mas como o Sr. chegou a essas conclusões, Sr. Harper? - perguntou-me um dos policiais depois de telefonar para a ambulância, para vir buscar os três mortos e a ferida.

    - Bem, cada integrante do Bando Macabro possuía um colar com a letra "M", tal qual o que eu vi no pescoço da madame Monique quando ela veio me visitar no escritório. Essa letra revelou ser, não de "Monique", mas de "Macabro", quando eu vi que o inspetor Pinkerton possuía um colar idêntico. Além disso, quem além de Monique e Pinkerton sabia do meu envolvimento no caso? Quem poderia, além deles, ter armado o sequestro do táxi? Eu sabia, de alguma forma, que o terceiro integrante não poderia ser um policial, mas alguém íntimo de Pinkerton - um empregado. Neste caso em especial, o copeiro.

    - Mas ele possuía muitos empregados. Por que justamente o copeiro?

    - Simples. Quando vi que o homem do Bando era canhoto, visto que empunhava perfeitamente o revólver com a mão esquerda, me lembrei do único empregado canhoto do inspetor. Assim, não foi difícil perceber que ambos eram a mesma pessoa. E o taxista só podia ser o quarto integrante.

    - E por que eles queriam tanto matar Emile François?

    - Porque, com a sua morte, sua filha Monique ganharia a herança e, supostamente, a dividiria com todos os outros integrantes do Bando. Porém, o que ela realmente premeditava desde o início era matar o Bando, depois mataria seu pai sozinha, e não teria que dividir com ninguém.

    - Não seria mais esperto se ela esperasse pela morte do pai, e então matasse o Bando? - Quem fizera a pergunta fora um homem desconhecido, um repórter talvez.

    - Arriscado demais... - tirei o chapéu e sentei-me. - Os patifes poderiam fugir com a grana ou... Arriscado demais.

    - Certo... - continuou o oficial. - Mas por que ela pediu a você para solucionar o crime que ela mesma cometeu?

    - Porque ela queria achar um meio de me envolver nessa trama sem levantar suspeitas, para no final me matar e me deixar fora do seu caminho. É um velho truque... Ela só esqueceu de cortar a linha do telefone, para que ninguém pudesse ligar para a polícia, o que por acaso eu fiz.

    Todos ficaram muitos satisfeitos com minha explicação. O Sr. François me ofereceu dinheiro por ter solucionado o caso. Não pude deixar de aceitar.


Fim.

WhatsApp / +55 47 9147-5309
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora